Agronegócios
Seleção de touros: é preciso definir muito bem os critérios de escolha
Compartilhe:
O agronegócio representou cerca de 25% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, apesar de importante queda em 2022, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). A pecuária de corte representa cerca de 10% desse volume, parcela de extrema importância, se comparada à indústria automotiva, que representa de 3% a 4% de nossa produção. Importante publicação da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), o Beef Report 2022 estima o tamanho do rebanho nacional em cerca de 196 milhões de cabeças, com abate de cerca de 39 milhões de animais, levando à taxa de desfrute de apenas 19,9%, muito inferior à de nossos principais concorrentes.
Temos cerca de 70 milhões de vacas em nosso rebanho, com a realização de aproximadamente 21 milhões de procedimentos ligados à Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF) no país. Como essa tecnologia tem uma eficiência de 50% e a proporção de segundas e terceiras IATF ainda são relativamente pequenas, é razoável supor que perto de 58 milhões de vacas sejam cobertas por touros, sejam no repasse ou nas propriedades que usam monta natural. Isso levaria ao uso de cerca de 1,9 milhão de touros de corte em atividade no país, com necessidade de reposição de cerca de 350 mil animais por ano.
Essa introdução nos traz a uma importantíssima reflexão: há que se escolher touros excelentes para reposição, por várias razões:
- a maioria dos bezerros nascidos no país é oriundo de monta natural;
- o touro é o mais importante insumo da pecuária brasileira, pois a produtividade dos bezerros depende da qualidade genética desses touros. Os touros são os principais investimentos e não despesas;
- em tese, o sêmen utilizado pelos criadores, nos processos de inseminação artificial, provém de touros geneticamente superiores. Caso os touros de repasse sejam de qualidade desconhecida ou mesmo inferior, o pecuarista terá dois rebanhos em sua propriedade, com níveis de produtividade muito diferentes: um dos descendentes dos touros de inseminação e outro dos filhos dos touros de repasse. Isso vale para quem cria raças puras ou para quem faz cruzamento;
- temos uma necessidade de reposição de cerca de 350 mil tourinhos por ano, mas, somando os touros registrados pelas associações de criadores com os touros dos programas de Certificado Especial de Identificação e Produção (Ceip), não oferecemos ao mercado mais do que 70 mil touros ao ano com certificação de qualidade genética (resultados de suas avaliações genéticas). Vende-se muito mais touros pelo seu peso, perímetro escrotal e pelo pedigree do que pela sua qualidade genética;
isso explica um número terrível: das 70 milhões de vacas disponíveis, produzimos apenas 39 milhões de animais para abate, ou seja, 55,7%. Uma indústria que tem uma eficiência média de 55,7% está falida. O ideal seria produzirmos acima de 75% de animais de abate, ou seja, acima de 52 milhões de animais enviados aos frigoríficos. Podemos aumentar nossa produção em, pelo menos, 33%, considerando-se apenas o número de animais.
Os dados mostram que precisamos melhorar, e muito, a produtividade de nossa pecuária de corte. Isso irá ocorrer com avanços em nutrição, saúde, manejo, pastagens, sanidade, qualidade de mãe de obra, instalações e genética.
O ambiente é responsável por cerca de 70% a 80% da produção dos animais. Já a genética e sua interação com o ambiente, os restantes 20% a 30%. No entanto, qualquer fator de ambiente, se tiver seu fornecimento adequado interrompido, sofre imediata alteração na produtividade. No caso da genética, é diferente: normalmente os machos são vendidos para abate, mas uma expressiva proporção das fêmeas é retida para reposição do plantel. A qualidade genética dessas fêmeas, filhas de touros de inseminação ou de repasse, pode ser muito diferente. Erros cometidos na escolha de touros de repasse podem resultar em fêmeas de qualidade inferior no rebanho. Por sua vez, esses animais com qualidade genética inferior podem permanecer, muitas vezes, até mais de 10 anos no rebanho, produzindo bezerros de pouca produtividade. E quem pagará o amargo preço da baixa produtividade é sempre o criador.
Então, chegamos a uma questão: como escolher sêmen, embriões, touros e novilhas de reposição? Não existem regras claras e que sirvam para todos os criadores, porque cada pecuarista tem sua fazenda, suas aptidões técnicas e de gestão, além de seu ambiente, clima, solo e mercado, ou seja, cada pecuarista tem seus objetivos próprios. A falta de definição clara de objetivos leva a escolhas erradas.
Então surgem outras dúvidas: que raça escolher? Que genética? Qual o peso adequado de reprodutores? Quais são os limites de perímetro escrotal? Quais são as principais características a levar em consideração? Existem muitas queixas a respeito de aprumos dos reprodutores, bem como do peso ao nascer dos bezerros. Temos que lembrar que quando compramos material genético, não adquirimos determinado reprodutor ou matriz, mas, sim, a expectativa do que seus filhos irão produzir.
Vamos tentar fazer algumas considerações:
Raça do touro: essa decisão deve ser tomada, como as demais, dependendo do que o criador quer. Existem touros de alta qualidade genética em todas as raças, assim como maior variabilidade dentro de raças do que entre raças. O uso de cruzamento e o acasalamento de animais de raças diferentes geram os efeitos de heterose e de recombinação, que, normalmente, resultam em maior produtividade, mas, também, menor adaptabilidade e maiores exigências nutricionais.
Genética: as avaliações genéticas são o melhor caminho para o pecuarista tomar decisões. E essas decisões têm que ser adequadas ao sistema de produção de cada um. Exemplos clássicos: um pecuarista do pantanal pode não querer vacas com muita habilidade materna, porque elas passarão fome em época de enchente e podem até morrer, por causa de produção elevada de leite; em área de baixa fertilidade de solo e veranicos prolongados, bezerros que ganham muito peso pós-desmame (e são mais exigentes em termos de nutrição) sofrem muito mais do que bezerros filhos de touros moderados. Aprender a entender uma avaliação genética, na pecuária de hoje, é obrigação do pecuarista.
Peso dos reprodutores: hoje em dia ficou muito comum os produtores de touros superalimentarem seus jovens candidatos a touros, ofertando-os ao mercado com pesos acima de 700 quilos, ou até mesmo 800 kg, ao redor dos 24 meses de idade. Esses animais terão sido criados em sistemas que não correspondem aos sistemas de seus filhos, e, normalmente, esses filhos decepcionarão muito o comprador desses touros “turbinados”. Touros precisam ser selecionados em sistemas parecidos com o que seus filhos irão ser produzidos.
Perímetro escrotal: a seleção para peso elevou muito o perímetro escrotal dos animais e já passamos do ponto ideal. Touros jovens com perímetros maiores do que 37 cm têm apresentado problemas de lesões testiculares por atrito, reduzindo sua vida útil no campo.
Características a serem escolhidas: depende do objetivo de cada um, mas peso, desmama, peso ao sobreano e fertilidade sempre devem estar na lista.
Aprumos e ossatura dos reprodutores: touros usados no campo têm que trabalhar cobrindo vacas e, para isso, devem ter aprumos perfeitos, que permitam que o trabalho seja feito sem desgaste excessivo. Touros precisam transmitir aos filhos ossaturas que permitam crescimento adequado. Existe muito touro no mercado que, um ano depois da compra, está deformado, com ossatura que não suporta seu peso.
Comprimento de prepúcio: as pastagens tropicais são complicadas para touros com prepúcio muito longos, causando ferimentos que comprometem o trabalho dos mesmos.
Peso ao nascer de bezerros: um assunto muito sério, que não recebia atenção há 10 anos, mas que atualmente, na raça Nelore (a mais importante do país), já apresenta problemas. Escolher touros com genética adequada para produção de bezerros com menor peso ao nascer e que deixem filhas com essa aptidão é essencial.
Seguir alguns dos pontos levantados é muito importante para que os pecuaristas permaneçam evoluindo e colaborando com o avanço da pecuária de corte no país. Um bom exemplo de criatório que segue essas indicações é a Agropecuária CFM, cujo programa de melhoramento genético foi o primeiro aprovado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), permitindo a certificação de touros com Ceip. O Certificado Especial de Identificação e Produção é uma chancela concedida pela pasta aos touros comprovadamente melhoradores, algo que contribui para a constante evolução da produção animal brasileira. Este é um caminho de sucesso que devemos trilhar.
*Por José Bento Sterman Ferraz, professor titular de genética e melhoramento animal da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (FZEA/USP)